A tecnologia mudou não apenas a forma pela qual mantemos os nossos relacionamentos sociais, mas, de igual modo, a forma pela qual adquirimos e consumimos determinados bens e serviços, além, é claro, ser capaz de sugerir, prever e induzir, mediante os mais diversos navegadores de pesquisas (Google, Bing, Opera, dentre outros) e rastreamento de hábitos, determinados comportamentos e padrões de conduta. Pois bem, tudo isso não é novidade.
A novidade ‘não tão’ recente é a possibilidade de aquisição de ‘bens virtuais’ por usuários e entusiastas da tecnologia que passam a integrar o seu patrimônio, não físico, mas patrimônio virtual, que não estão medindo esforços quanto a investimentos para obterem experiências exclusivas neste universo, sendo possível encontrar diversas transações que ultrapassam o montante de milhões de reais para aquisição de token não fungível (NFTs) ou, ainda, criptomoedas – são os melhores exemplos do denominado criptoativos. Estima-se que o mercado de criptomoedas movimentou mais de R$100 bilhões no Brasil, no ano de 2021.

Todavia, diante da pendência de uma regulamentação e fiscalização estatal mais assertiva, comumente, se vê notícias de golpes e fraudes, além da utilização de criptoativos para ocultação do patrimônio por parte do devedor. Surge-se, portanto, o imbróglio, objeto de estudo e análise deste artigo, pois, constatado o inadimplemento de uma das partes envolvidas em um determinado negócio jurídico, como conferir a tutela jurisdicional para a satisfação da dívida?
Desta maneira, passa-se a expor, ainda que de forma sucinta, a possibilidade jurídica da tutela jurisdicional quando constatada a existência de ‘bens virtuais’ pertencentes ao devedor, bem como algumas decisões extraídas dos Tribunais Estaduais.
O Código de Processo Civil e a observância da ordem de preferência para penhora de bens do devedor
Constatado o inadimplemento, o devedor poderá responder pela dívida com todos os seus bens (art. 796, do CPC/2015).
O Código de Processo Civil estabelece diversas medidas como forma de assegurar o cumprimento da obrigação pelo devedor, inclusive, admite-se medidas atípicas, desde que devidamente fundamentadas pelo Juiz. Sem se adentrar em conceitos, menciona-se alguns exemplos de medidas acautelatórias: arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bens, e qualquer outra medida idônea para assegurar o direito pleiteado em Juízo.
Acrescente-se que o artigo 835 do Código de Processo Civil estabelece, de forma preferencial, um rol a ser observado para a realização de penhora de bens pertencentes ao devedor. Por outro lado, tem-se que o artigo 797 da referida legislação processual vigente, diz que a execução se desenvolve no interesse do credor, claro, não de forma indiscriminada.
Superadas as questões processuais, os criptoativos são considerados ativos financeiros pela Receita Federal, conforme Instrução Normativa N. 1.888 de 03 de maio de 2019.
A Secretaria da Receita Federal instituiu e disciplinou a obrigatoriedade do contribuinte prestar informações relativas às operações realizadas com criptoativos, pois incide em questões tributárias e de interesse do Erário.
Os Tribunais têm enfrentado o tema em análise, quanto à possibilidade jurídica de penhora de criptoativos pertencentes ao devedor. Veja-se, a exemplo, o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Agravo de instrumento – Execução de título extrajudicial – Decisão que indeferiu pedido de expedição de ofício visando à localização e penhora de criptomoedas em nome dos executados – Possibilidade – Tentativas frustradas de localização de bens e ativos financeiros em nome dos executados – Devedores que respondem com todos os seus bens para o cumprimento de suas obrigações – Art. 789 do CPC – Necessidade de intervenção do Poder Judiciário – Informação não acessível ao credor – Decisão reformada – Recurso provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2227866-33.2021.8.26.0000; Relator (a): Irineu Fava; Órgão Julgador: 17ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/10/2021; Data de Registro: 20/10/2021)
Entende-se que não há óbice legal, portanto, para a penhora de criptoativos pertencentes ao devedor como forma de garantia e satisfação da dívida. Exige-se, contudo, a intervenção do Poder Judiciário para a obtenção das informações necessárias, pois trata-se de dados sigilosos.
Desta maneira, diante da constatação do inadimplemento e insuficiência de bens do devedor, eventual indício de operações realizadas com criptoativos, poderá o credor, mediante intervenção do Poder Judiciário, buscar a tutela jurisdicional adequada para garantia e satisfação da dívida.
Fonte e referência